Dr. Glauber Alves (Foto: Web)
O nosso entrevistado de hoje no quadro “6eis Perguntas” é o mossoroense, Juiz Federal, Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP, e desde o dia 18 de julho tomou posse como Juiz Eleitoral do TRE/RN para o biênio 2017-2019, Francisco Glauber Pessoa Alves.
Dr. Glauber conversou conosco, entre outros assuntos, sobre os benefícios e o que falta a nossa Justiça Eleitoral para coibir compras de votos: “Tanto mais lisura e igualdade existirão quando menos presentes o desvio e o abuso de poder”; extinção de algumas zonas eleitorais, o que poderá dificultar na fiscalização durante campanhas eleitorais: “A fiscalização sempre existirá, não tenha dúvidas”; e discorre sobre de como recebe as críticas que a população faz em relação aos altos salários: “O titular de cargo público precisa compreender que está sujeito à transparência. E transparência traz dilemas que se convertem em críticas”.
Vamos à leitura…
1 – O senhor assumiu uma cadeira no TRE-RN num momento delicado de nossa história, onde a classe política está em grande descrédito junto a população. De que modo a Justiça Eleitoral pode ajudar o eleitor a escolher melhor seus representantes?
GA- A Justiça Eleitoral exerce funções administrativa (preparo e organização do processo eleitoral), jurisdicional (resolvendo os conflitos que são trazidos ao Estado-juiz, pacificando o meio social), normativa (ao expedir as instruções que julgar convenientes à execução do Código Eleitoral – inciso IX, art. 23 do Código Eleitoral) e consultiva (de forma a prevenir litígios que possam afetar a regularidade e a legitimidade do pleito – inciso XII, art. 23, e VIII, art. 30, ambos do Código Eleitoral). Essencialmente, sua base de atuação está na Constituição Federal, no Código Eleitoral, na Lei Complementar n. 64/90 (Lei das Inelegibilidades) e na Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições). Na essência, busca a Justiça Eleitoral a preservação da legitimidade, da normalidade e da sinceridade das eleições, assim como da higidez da campanha, da igualdade na disputa, da liberdade do eleitor e da moralidade administrativa. A missão da Justiça Eleitoral e, portanto, o que dela se espera, pode ser descrita sob as mais diversas e profundas nuances jurídicas, políticas e sociológicas, mas essencialmente é assegurar a lisura no pleito e a igualdade entre candidatos, para que os eleitores possam fazer a melhor escolha possível dentre os que se apresentam à disputa dos cargos eletivos. Tanto mais lisura e igualdade existirão quando menos presentes o desvio e o abuso de poder.
2 – O TRE-RN estuda uma reorganização da Justiça Eleitoral, com extinção de algumas zonas eleitorais, como a de Governador Dix-sept Rosado, por exemplo, esse procedimento não dificultará a fiscalização durante a campanha eleitoral, sobretudo pela questão de abrangência territorial?
GA- Houve uma determinação do TSE no sentido de reavaliar a quantidade de zonas eleitorais, mormente em tempos de escassez de recursos públicos. Em face disso, o TRE-RN formou uma comissão para analisar a matéria, que está estudando o assunto, e que certamente chegará às suas conclusões somente após a prudente avaliação dos seus membros. De toda forma, mesmo que eventuais zonas sejam extintas, mecanismos de manutenção da ordem eleitoral hão de ser observados por ocasião das eleições, como medidas de compensação. A fiscalização sempre existirá, não tenha dúvidas.
3 – O que falta à Justiça Eleitoral em seu papel de cuidar da organização do processo eleitoral e legitimar resultados das urnas, quando constantemente vemos aberrações entre prestação de contas de campanha e a realidade de gastos?
GA- A luta contra a o abuso e o desvio nas campanhas é constante. E o conhecimento de como os maus candidatos se valem disso está em progressivo crescimento. Sistemas de dados cruzados com diversos órgãos públicos foram feitos e servidores estão em permanente aperfeiçoamento. Procedimentos foram desenvolvidos e testados. A própria legislação se renova, buscando evitar tais males. Além disso, há a fiscalização por parte dos demais candidatos e partidos, bem como pelo Ministério Público Eleitoral. A chave é o conhecimento de como se dão as prestações de conta ilícitas e a utilização dessa informação para evitar que a Justiça Eleitoral avalize essas posturas indevidas. Não há segredo: é trabalho e antecipação! Porém, não é só da Justiça Eleitoral o trabalho de zelar pela lisura do processo: é de toda a sociedade, denunciando as ilegalidades e negando voto aos maus candidatos. Quanto menos ouvimos falar da Justiça Eleitoral nas eleições, mais elas transcorreram tão dentro da normalidade quanto possível.
4 – Há algo ainda que o TRE-RN pode fazer para coibir a compra de votos durante a campanha eleitoral, ou o órgão já está fazendo tudo que está ao seu alcance?
GA Sempre há o que pode ser aprimorado e acho que essa consciência está presente na Justiça Eleitoral. É bom ter em mente que estamos presos às leis regedoras do assunto, mas a construção desse conhecimento específico anti-abuso não para. Inclusive, algumas medidas não podem ser publicizadas, para não municiar os maus candidatos com a previsibilidade e desenvolvimento de técnicas fraudatórias. Importante salientar que tivemos as eleições de 2016 com características atípicas: período de campanha curto e proibição do financiamento por pessoas jurídicas. A isso some-se a grande visibilidade da Lava-Jato e sua caça ao “caixa dois” eleitoral. Os candidatos, assim, estavam claramente sob olhos da sociedade. Porém, penso que as eleições de 2018 é que serão as mais importantes desde a redemocratização, em 1989. Do ponto de vista da boa cidadania, porque é quando os cargos executivos federais e estaduais, além das casas legislativas, estarão em disputa e porque será a primeira onde todo o corpo de eleitores saberá, com informações suficientes, como seu candidato se portou ao longo dos últimos anos e dos tantos escândalos políticos. Já não dá mais para dizer que não se sabia. Do ponto de vista do custeio das campanhas, motivo de tantos males, porque ou teremos o modelo atual (com financiamento exclusivamente por pessoas físicas) ou teremos um misto (financiamento por pessoas físicas mais o financiamento público, como vem sendo discutido no Congresso Nacional). E disso advém variantes, como o financiamento eleitoral por grupos do crime organizado, mediante “laranjas”. Repito, porém: a fórmula é trabalho, antecipação e a ajuda dos próprios eleitores, rechaçando os maus candidatos e denunciando os abusos! Os juízes e promotores eleitorais do Rio Grande do Norte têm a plena consciência disso. Nenhum outro país do mundo com uma população do tamanho da nossa faz uma eleição tão rápida, precisa e com grau de fiscalização tão elevados sobre os candidatos quanto o nosso. Então, é certo dizer que, em termos de eleições, fazemos muito bem. Ocorre que ao eleitor incumbe escolher bem seu candidato; acima de tudo, a opção de não perpetuar os maus candidatos, que lhe surrupiam a decência e a dignidade e dão em troca a corrupção, o atraso e a mesmice.
5 – Nos bastidores do Congresso Nacional, a questão da prisão após sentença em segundo grau volta a ser discutida. Fala-se em derrubada dessa jurisprudência adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como o senhor avalia essa situação e a posição do STF em si?
GA- O assunto foi decidido pela maioria do STF com uma posição clara no sentido de que a presunção de inocência da CF não importa no direito do condenado de não ser preso até o trânsito em julgado. Basta a condenação (ou confirmação da condenação) pelo tribunal. Ou seja, a interposição de recursos para tribunais superiores ou mesmo ao próprio tribunal que decidiu a causa não obsta o cumprimento imediato da pena pelo condenado. Ao assim fazê-lo, parece-me, a Corte claramente alinhou a hermenêutica constitucional à dos países mais desenvolvidos. Em nenhum deles existe algo como se sucedia no Brasil, com uma clara fórmula de sucesso em sabotar a persecução penal: muitos recursos e habeas corpus com o fim de procrastinar o cumprimento das penas e garantir a prescrição. O cumprimento da pena a partir das decisões de segundo grau tem, inclusive, contribuído para diminuir a sensação de impunidade da própria sociedade. Várias forças, de boa ou má-fé, têm trabalhado para reverter essa concepção, que a meu ver é um avanço. Para o bem e a decência de nosso povo, espero que não logrem êxito.
6 – Como o senhor recebe as críticas que a população costuma fazer do Judiciário em relação aos altos salários e regalias de seus integrantes?
GA Com naturalidade, até porque há muita desinformação. O titular de cargo público precisa compreender que está sujeito à transparência. E transparência traz dilemas que se convertem em críticas. Na maior parte, são frutos de revanchismo (a profissão de julgar não é simpática e juízes desafiam interesses todos os dias, ao julgar uma miríade de processos), incompreensão ou mesmo de desinformação pura e simples; outras vezes, são frutos da razão. A própria noção de “regalia” comporta discussões. As críticas com razão merecem ser discutidas caso a caso, pois é assim que um serviço público e seus membros devem satisfação à sociedade. Pode não haver consenso, mas a discussão deve sempre ter portas abertas. Importa esclarecer que existem diversos ramos do judiciário (federal, trabalhista, estadual, militar federal, militar estadual, eleitoral), com diferentes estruturas remuneratórias. Nem sempre o que um juiz de determinada estrutura ganha é igual ao que ganha o da outra. Mas, o povo, em geral, pensa que é tudo a mesma coisa. Por exemplo, a Justiça Federal, à qual pertenço, no ano de 2016 arrecadou R$ 24 bilhões (computadas recolhimento com custas, taxas e receitas oriundas das execuções fiscais) em contraponto a seu custo total de funcionamento (R$ 9,9 bilhões, incluindo servidores, estrutura e custeio), conforme Relatório Justiça em Números 2016, do CNJ, e temos, só no ano de 2016, uma receita orçamentária direta total gerada pelos juízes federais de R$ 14,2 bilhões. Para se ter uma ideia da expressividade desses números, é mais que o orçamento previsto para o ano de 2018 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Mas, você não deve pensar justiça como uma empresa, porque a atividade jurisdicional é serviço público essencial. Determinados ramos não arrecadam tanto (uns, sob essa premissa exclusivamente financeira, são deficitários) e nem por isso a sociedade prescinde deles. Muito do contrário, são essenciais, como a Justiça Estadual, a Justiça Trabalhista e a própria Justiça Eleitoral. Por outro lado, a remuneração do serviço público é cíclica: tem períodos de melhora (alguns) e períodos de piora (mais comuns). Em profissões de acesso difícil como a magistratura (os índices de aprovação nos concursos são na casa máxima de 1% e sem preencher a totalidade dos cargos em disputa), onde é elevada a responsabilidade de seus membros (que impõe sacrifícios, cobranças e alto número de problemas de saúde advindos do stress do volume de trabalho e das pressões), você não consegue selecionar bons nomes sem uma correspondência remuneratória digna. Basta lhe dizer que existem hoje vagos mais de 5.000 (cinco) mil cargos de juízes no Brasil. É comum os concursos não preencherem o número de vagas e às vezes ocorre de não haver um único aprovado. Há cerca de quatro anos, antes do último reajuste, muitos candidatos estavam sendo aprovados e desistindo de tomar posse para assumir outras profissões. Isso mesmo: desistindo. Com o último reajuste, isso mudou. Se não vier outro reajuste, daqui a algum tempo novamente surgirão problemas em selecionar bons quadros. Ainda assim, todos queremos um juiz preparado e trabalhador para resolver nossos problemas da melhor forma possível! É ao judiciário que recorremos para termos acesso a uma UTI ou a um medicamento – indevidamente negados –, para pedir a soltura quando de prisões ilegais ou para determinar a prisão de investigados e réus, para resolver questões contratuais, para apaziguar questões de família, para discutir tributos indevidos, para solucionar questões trabalhistas etc. Saíram do judiciário operações como a do Mensalão, da Lava-Jato, dentre muitas outras, que têm mudado a cara do Brasil. Na estrutura constitucional brasileira, o judiciário tem sido chamado a decidir de tudo, inclusive políticas públicas. Tais decisões geram pressões e restrições na vida em sociedade que nenhuma outra profissão atravessa. Muitos juízes exercem o encargo sob risco de morte. Não ache ou creia a sociedade que sem um corpo de profissionais altamente preparado e bem remunerado isso seria possível. É ingenuidade acreditar nisso. De toda forma, a discussão no nosso país não deve ser porque alguns ganham bem e, sim, porque todos não ganham bem. Boa parte da sociedade brasileira, mal-instruída e com rendimento baixo, não dispõe dessas informações e, portanto, não faz essa diferenciação. O peso dessa incompreensão pública, que por vezes desestimula, é mais um dos encargos que o juiz tem de suportar. Paciência.