Blog da Chris

Educador Padre e sua visão sobre política e sociedade

Padre Charles (Foto: Cedida/Guilherme Ricarte)

Dando sequência ao quadro de entrevista “6eis Perguntas”, o entrevistado de hoje é o querido Padre Charles Lamartine, diretor do Colégio Diocesano Santa Luzia, homem com extenso rol de admiradores e amigos.  

Padre Charles diz que só descobriu sua vocação aos 20 anos, no final da adolescência.

Na entrevista, Padre Charles ainda discorre sobre sociedade: “O que vivemos hoje é a crise ética, é a crise moral”; violência: “É consequência da falta de educação, sobretudo”; bem como a admiração que tem pelo Padre Sátiro: “Os nossos destinos se encontraram”; e política: “Pensar a política, na atual conjuntura, é algo muito complexo”.  

Vamos à leitura…

1- Atualmente, o senhor é um dos padres mais admirados pela população, sobretudo por suas pregações nas missas dominiais na Catedral. Quando descobriu sua vocação? Como foi sua trajetória?

Diferentemente de muitos outros padres, que descobrem sua vocação desde criança, eu só vim descobrir minha vocação por volta dos 20 anos. Então não posso dizer que é uma vocação adulta, madura, mas uma vocação descoberta no fim da adolescência.  Venho de uma família predominantemente religiosa, na qual a devoção a Maria, os cultos e atos litúrgicos da Igreja Católica foram sempre muito bem vivenciados no meu contexto familiar. Quando, no ano 2000, fui morar em Natal, estudar para ingressar na Universidade, a distância da família fez com que eu me aproximasse ainda mais da Igreja. Foi naquele percurso em que ocorreu um despertar vocacional e eu procurei os frades capuchinhos na Igreja do Galo em Natal e pedi para entrar no Seminário. A partir daí eu comecei um acompanhamento vocacional em Natal, no Seminário São Pedro. Em 2001, ao passar no vestibular na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), para Serviço Social, conversando com o Reitor do Seminário, ele me orientou a vir para Mossoró cursar a graduação e poderia voltar a buscar o acompanhamento vocacional quando estivesse me formando. Segui seu conselho e vim pra Mossoró. No quinto período da graduação, procurei Padre Guido, pedindo acompanhamento vocacional, aqui em Mossoró, na Paróquia de São José. Foi figura muito solícita, disse que me acompanharia, me daria a Carta de Recomendação, mas infelizmente sofreu um AVC durante esse processo. Quem o sucede é Padre Elizeu, a quem tenho muita gratidão e dou o crédito pela minha permanência aqui, pois foi quem me questionou por que eu precisaria retomar o acompanhamento em Natal, se minha família é de Pau dos Ferros, que compõe a Diocese de Mossoró, que precisava muito de padres. As palavras de Pe. Elizeu ecoaram com muita força em meu coração, e eu fiquei com uma “santa inquietação, uma paz perturbante”. Uma semana depois voltei decidido a procurar o acompanhamento vocacional aqui, ocasião em que conversei com Padre Flávio Augusto Forte Melo, no Seminário Santa Teresinha, e posso dizer que essa conversa foi fundamental, porque ele se tornou desde então uma referência pra mim, como Padre, como Homem de Igreja. Com a chegada de Dom Mariano em outubro de 2004, tivemos uma conversa e dia 12 de fevereiro de 2005 eu ingresso no Seminário. Em 2007, fui enviado para Roma, para os meus estudos teológicos. Após a conclusão do Bacharelado em Teologia, pude também fazer o Mestrado em Teologia, foram cinco anos de experiência na Itália, com a Igreja, próximo ao Papa, ao Vaticano e toda essa realidade. Em 28 de junho de 2012, voltei para Mossoró e exatamente 1 mês depois assumi a vice-direção do colégio. Então, dia 28 de julho deste ano completo cinco anos à frente do Colégio Diocesano Santa Luzia, juntamente com Padre Sátiro. 

2- O CDSL, ao longo de mais de 100 anos de existência, passou por instabilidades normais ao seu funcionamento, mas o que mais aflige o administrador hoje é a perda de poder aquisitivo da classe média e alta ou uma cultura da inadimplência seletiva de muitos pais?

Trabalhar com uma sociedade que passa muitas crises, quaisquer que sejam, não é uma coisa fácil. Eu diria que a maior dificuldade hoje não se dê na dimensão financeira, embora ela permeie inevitavelmente muitas das esferas do fazer educação ou de uma instituição, qualquer que seja, mas a maior crise que nós vivemos hoje é a crise ética, é a crise moral, é a crise dos valores. Essa, para nós, é a grande dificuldade. Pensar uma sociedade fragmentada, como dizem alguns sociólogos e filósofos, pensar uma sociedade sem estabilidade, a quem o sociólogo Zygmunt Bauman vai chamar Modernidade Líquida, é pensar uma sociedade com muitos desafios, consequentemente um público de trabalho com muitos desafios. Nesse cenário, as questões de escopo financeiro, como a inadimplência, por exemplo, acompanham sim nossas preocupações. Nosso planejamento logístico de investimento em vários setores da escola muitas vezes é redirecionado, em virtude da questão financeira, mas pelo nosso modo de fazer educação, as dificuldades financeiras vão se apresentar como contornos, apenas uma das nuances dessa crise de valores que em essência constitui nosso grande enfrentamento enquanto Escola.

3- O nosso estado e nossa cidade estão com índices alarmantes e cada vez mais crescentes de violência e falta de segurança. Como a Igreja Católica e o senhor avaliam esse cenário?

A violência, muitas vezes, é superficialmente avaliada sob a perspectiva de falta de policiamento. A vigilância é uma das dimensões para conter a violência, mas esse problema social precisa ser avaliado numa visão de totalidade. Ele é consequência da falta de educação, sobretudo; da falta de esporte; falta de lazer; da privação de direitos; da desigualdade social. Então, não se pode analisar a violência a partir do crime, da infração cometida, é preciso que se veja de maneira macroestrutural que ela eclode da falta de educação em suas mais diversas faces. Se pararmos para pensar, ligamos o fator violência somente a morte ou agressão, mas o desrespeito à mulher, ao idoso, à criança, quaisquer violações de direitos são atos de violência, cometidos muitas vezes por pessoas de alto poder aquisitivo. Não se pode então condicionar violência à situação de marginalidade ou pobreza, mas a partir do que as desigualdades sociais geram de impacto nessa sociedade, que inviabilizam as oportunidades de evolução e desenvolvimento para todos de maneira equilibrada. Temos um respeito imenso pelo trabalho da Polícia em suas diversas esferas na prevenção e coerção da violência, mas só um projeto mais amplo será capaz de transformar tal realidade. Precisamos de políticas públicas consistentes e coerentes na área de segurança pública. No entanto, precisamos muito mais de políticas educacionais que promovam um ensino de qualidade e uma formação sólida para as nossas crianças. Políticas públicas nos levem a uma sociedade mais justa, de paz e com oportunidades iguais para todos. 

4- O que padre Sátiro Dantas representa para o senhor? Fale um pouco sobre essa parceria e convivência. 

Antes de pensar o que Padre Sátiro representa para Padre Charles, é justo que se registre que ele representa muito para a educação do Estado, para a cidade, para tantas pessoas que foram marcadas pelo homem, pelo mestre, pelo sacerdote. Chego ao Diocesano em 2012 e Deus me dá a graça e a oportunidade de conviver com um homem que é muito mais do que um ícone. Olhando para a imagem dele, para sua efígie, a gente consegue contemplar muitos feitos, mas somente a convivência com Pe. Sátiro me permitiu contemplar ainda mais a sua humanidade, a sua cultura, a sua inteligência, a sua sabedoria, sua generosidade, mas sobretudo sua humildade, que, por justiça, posso sobrepor a todos os outros adjetivos que se possam acrescentar à lista. A forma como ele me acolheu, a oportunidade que me deu e, sobretudo, a confiança, pois nesses cinco anos de convivência, Padre Sátiro nunca me deu um não. De Padre Sátiro eu herdei muitas coisas importantes, porém, a maior delas é, sem dúvidas, os bons amigos. Quando da minha ordenação como Padre, no momento do Ósculo da Paz (momento em que todos os padres abraçam o neossacerdote), quando Padre Sátiro veio me abraçar, me disse uma frase que eu jamais vou esquecer: “Os nossos destinos se encontraram”. De fato, a trajetória de sacerdote-educador e educador-sacerdote é característica comum às nossas vidas, mesmo que em tempos diversos. Homem de alma marcada pela sabedoria e generosidade Pe. Sátiro entendeu que partilhando o que tinha, como amigos, conhecimento, instituição, não estaria perdendo, mas sim construindo o futuro. 

5- O Diocesano entrou recentemente no ensino superior, através da Faculdade Diocesana de Mossoró. Como vem sendo a aceitação da sociedade? Qual a forma de acesso e quais os cursos ofertados?     

Temos que ser muito gratos, primeiramente a Deus, e depois à história da própria escola. A Faculdade Diocesana, assim como o Colégio Diocesano, não nasce de uma vontade particular de alguém, nasce de um anseio, de um desejo, de um grupo de pessoas que acreditou nesse projeto. Eu diria que a FDM, apesar de ter apenas 10 anos, já nasce com as bases sólidas da raiz do Colégio Diocesano Santa Luzia, que marca a educação de Mossoró e região há mais de 116 anos. Nós procuramos imprimir a filosofia de ensino da Faculdade Diocesana a partir dos princípios que já cultivamos há tantos anos na escola. A humanidade está envolvida em um novo período histórico marcado por profundas transformações no ambiente social, político, econômico e cultural. A FDM não surge para ser mais uma empresa de Ensino Superior em Mossoró, e sim com o intuito de marcar a educação superior da cidade com um ensino de qualidade, com um diferencial de serviço à comunidade, por entendermos que uma instituição de ensino superior só tem sentido de existir se for capaz de promover o desenvolvimento significativo tanto em aspectos sociais quanto econômicos. Os diversos cursos que temos hoje(Ciências Contábeis, Fisioterapia, Psicologia, Teologia, e os que estão chegando (Administração, Gastronomia e Nutrição) só ganham sentido se puderem impactar a sociedade local e regional, a vida das pessoas. Pensamos uma educação superior que possa estimular a criação cultural e o desenvolvimento científico pautada nos princípios de um ensino autêntico, verdadeiro e promotor de vida.

6 – A gente percebe que o senhor é um “animal político”, como bem definiu o filósofo Aristóteles. Isso significa dizer que pode ser um nome para a política um pouco adiante?

Fico muito feliz com a citação de Aristóteles, mesmo porque, no que tange ao conceito de política, acredito que os gregos deram uma autêntica e relevante contribuição. O homem, o pensador grego vê a política como algo inerente à vida de qualquer indivíduo. É impossível estar numa sociedade e não ser um cidadão político. A política, para o grego, é entendida como a capacidade que o homem tem de se preocupar com a pólis, (sinônimo de Cidades/Estado) daí a etimologia do termo. E preocupar-se com a pólis significa ter uma implicação com o bem comum da sociedade na qual você está inserido. O antônimo de político, na sociedade grega, era justamente o idiota. Idios, em grego, significa umbigo. Nesse entendimento, idiota seria aquele que tem a capacidade de olhar unicamente para o próprio umbigo. Pensar a política, na atual conjuntura, é algo muito complexo, num cenário em que o termo recebe aversão de muitas pessoas. Mas eu queria invocar a apreensão que ela é algo que se faz necessário. Assim, me coloco no mundo como um ser político, porque a minha preocupação com o todo implica também uma preocupação comigo e com os meus semelhantes. Nessa conjuntura de crises, e sabemos que o país atravessa uma crise econômica real, concreta, existe também uma outra ainda maior que é a crise “política”, ou dos políticos, ou dos partidos como estão organizados, que é sobretudo ética e moral. Realmente, essa crise tem marcado negativamente o conceito de política, por isso tem gerado um distanciamento tão grande das pessoas da temática e do viver a política em sua essência. Nenhum cidadão sensato pode ignorar a política. Não é a primeira vez que me perguntam se é possível que um dia eu venha a ter uma atuação partidária e eu diria não é prudente qualquer negação absoluta, e recorro ao que o Papa Francisco citou nos últimos dias, de que “a política é um excelente modo de se fazer caridade”. Insistimos tanto que as coisas precisam mudar, que é preciso repensar, mas muitas vezes não nos implicamos no processo de mudança. Talvez, num pensamento para longo prazo, me vincularia a um partido e a um projeto caso se fizesse necessário, em prol do bem comum, mas jamais por pensar num projeto pessoal e unicamente meu. Afirmo, sobretudo, que meu atual projeto é fortalecer a educação de onde estou atuando. Hoje, meu vínculo e minha dedicação pessoal, humana e profissional, o meu compromisso é para com a causa da educação.

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